O Radioca mostra as novidades da música brasileira, mas também volta no tempo para relembrar artistas que fizeram parte do cenário independente anos atrás e que influenciaram as gerações seguintes. Mesmo não tão famosos ou celebrados, ajudaram a formatar o que viria ser produzido pelas gerações seguintes. Um desses nomes, que estreia o quadro aqui no site, é a banda carioca Mulheres q Dizem Sim, que influenciou muito da cena carioca dos anos 2000 e que tem seus integrantes ainda na ativa em projetos diversos.
Por Ronei Jorge
Tudo indica que teremos a volta do Mulheres Q Dizem Sim. Pra quem não conhece, a banda teve uma carreira curta e acabou fazendo só um disco que saiu pela WEA em 1996. Eram outros tempos, ainda existia a mão grande das gravadoras pairando sobre os artistas e a sonhada liberdade artística era coisa pra veteranos. Quem viu a banda ao vivo no MAM, aqui em Salvador percebeu a potência que não se ouve no disco. De qualquer forma, a bolachinha é um retrato daquela banda de grande criatividade e de uma técnica invejável, muito acima da média do pessoal da geração- e olha que o pessoal da década de noventa já dá um pau tecnicamente na galera dos oitenta.
Curiosamente o grupo tinha três compositores: Maurício Pacheco, Pedro Sá e Palito. E, por mais que se percebesse uma fortíssima ligação com a música brasileira, garantida também pelos arranjos, são três autores completamente diferentes. Enquanto Maurício produzia belas canções com uma forte influência de Caetano, principalmente de sua fase Outras Palavras - "Jeito de Corpo" é um exemplo forte-, Pedro Sá pendia para um lado mais das experiências, assumindo e desconstruindo a canção, deixando tudo aparentemente mais livre, mais ou menos como os sustos que Hendrix e Gil nos pregam em suas músicas. Já Palito ia para um caminho mais funk e balançado, o que acabava destacando o groove e todas as possibilidades de território que a banda poderia caminhar.
O disco acabou ficando irregular, mas contém pérolas e já nos dá um conceito estético valioso para as gerações futuras. Nele você ouve a já famosa ligação do rock com música brasileira tocada com propriedade e muito feeling. Também dá pra perceber que o Mulheres ia por um caminho diferente de algumas bandas que tinha essa ligação com a MPB. Eles não partiam para uma leitura da MPB sob um viés de rock sessentista como bem fez o Picassos Falsos no SuperCarioca, nem também foram para uma releitura de gêneros da música nacional como fez o Paralamas nos ótimos Bora Bora e Big bang. Na estréia da MQDS o que se ouve é, em grande parte, uma canção que já nasce brasileira e ganha contornos roqueiros pela execução, muito próxima a da própria MPB dos anos setenta.
Além da já conhecida influência que o grupo deixou, três dos membros da banda continuaram em produtividade no circuito musical. Pedro Sá hoje é referência como guitarrista e produtor, com grande destaque para os trabalhos na Orquestra Imperial e na Banda Cê- fundamental para uma nova guinada na carreira de Caetano. Domenico, excelente músico e compositor, trabalhou como baterista de Adriana Calcanhoto e fez parte do +2, grupo com Moreno e Kassin- dois artistas importante da cena carioca e- de maneira diferente- "filhos" da MQDS. Maurício, além de continuar compondo, trabalhou com Yuca no seu projeto pós Rappa O F.U.R.T.O e produziu alguns discos com destaque para um belo disco da cantora Jussara Silveira. Somente Palito foi para a área de audio visual e publicidade e , de certa forma, saiu da cena musical.
O legado deixado pelo Mulheres é muito grande, seja por trabalhos de seus componentes individualmente, seja por artistas que ouviram aquele disco ou, como eu, assistiram aquele show no MAM.